O direito eletrônico vai mudar a realidade de todas as pessoas. Esse é o entendimento da advogada especialista em direito digital Lúcia Tucci. “Em pouco tempo não vamos mais precisar protocolar papel nos tribunais e tudo será digital”, afirmou Lúcia em entrevista a Última Instância. Pioneira no trabalho com o direito eletrônico do país, Lúcia participou do processo de implementação das urnas eletrônicas no sistema eleitoral brasileiro.
A advogada entrou no mundo do direito eletrônico antes da maioria de seus colegas e da abertura de mercado, trabalhando com licitações de alta tecnologia. Segundo ela, “o direito eletrônico é a nova ferramenta do direito, porque você vai peticionar eletronicamente, receber eletronicamente, seu equipamento passa a ser quase um protocolo do Judiciário”. E mais: “Através desse equipamento, você vai se relacionar com o Judiciário como um todo, em qualquer área da federação”, completa.
Para Lúcia Tucci, a barreira existente hoje para o avanço do direito eletrônico é a vontade dos operadores de direito de aceitar ou não as inovações do mundo digital. “A mudança vai acontecer com os resistentes ou sem os resistentes” diz, otimista.
Por integrar a Comissão dos Crimes de Alta Tecnologia da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Lúcia também é responsável por divulgar a cartilha, elaborada pelo órgão, de boas práticas no uso da Internet. “Nós, advogados, sempre estamos preparados para mudanças, mas é necessário que esse preparo seja acompanhado, inovado.”
Leia a seguir a íntegra da entrevista com Lúcia Tucci:
Última Instância – Como a senhora definiria direito eletrônico?
Lúcia Tucci – O direito digital é um gênero do direito eletrônico. Eu definiria essas duas partes da essência do que a gente chama primordialmente de direito eletrônico como a vida do direito para os próximos vinte anos. Você não pode falar de nenhuma área do direito sem ter consciência do direito eletrônico. O que vai mudar a vida de qualquer operador do direito para os próximos anos é a conscientização de que o direito eletrônico faz. O direito eletrônico é a nova ferramenta do direito, porque você vai peticionar eletronicamente, receber eletronicamente, seu equipamento passa a ser quase um protocolo do Judiciário. Através desse equipamento, você vai se relacionar com o Judiciário como um todo, em qualquer área da federação.
Eu ouso dizer que o direito eletrônico é uma nova forma de vida nas relações do direito como um todo. Ele não vai mudar o que o advogado faz, como ele trabalha, ou o juiz do tribunal, mas está mudando a realidade de todas as pessoas. O direito eletrônico é uma oportunidade de se mudar as relações humanas. Quem vai escolher se vamos evoluir ou involuir com essa ferramenta somos nós.
Última Instância - Os magistrados, advogados, operadores do direito, estão preparados para lidar com o direito eletrônico?
Lúcia Tucci - Eu diria que nós, advogados, estamos sempre prontos. Precisamos estar prontos para trabalhar com a operação do direito nas várias formas que temos, inclusive da evolução humana. Nós sempre estamos preparados, mas é necessário que esse preparo seja acompanhado, inovado.
Última Instância - Se a partir de hoje todos os tribunais estivessem totalmente automatizados, os profissionais teriam dificuldade em lidar com a situação? É necessária uma capacitação para que todos saibam lidar de forma mais tranquila com o direito eletrônico?
Todo mundo conseguiria se adaptar e aprender, mas sempre é importante você se capacitar. Os tribunais vêm buscando essa capacitação através de um programa que se chama Projudi (Processo Judicial Digital), do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Se os profissionais estão preparados para aprender ou não, é uma escolha. Quem não acompanhar vai estar obsoleto. Em pouco tempo, não vamos mais precisar protocolar papel nos tribunais e tudo será digital. Já existem comarcas 100% digitais, audiências por teleconferência, entre outras coisas.
Última Instância - Há barreiras para a evolução do direito digital?
Lúcia Tucci - A barreira é o próprio ser humano, é a escolha que o profissional faz de aceitar ou não essa inovação. O que temos visto é que há muitos desembargadores e ministros usando duas telas para trabalhar, para abrir o processo ao lado da tela de trabalho. Há juízes que usam ferramentas de hardware e de software, mas também outros não aceitam e ainda usam os funcionários. Nós assistiremos a muitas mudanças. Eu acredito que há um público que vem estudando isso um pouco mais preparado, mas essa mudança vem naturalmente e sem limites. A mudança vai acontecer com os resistentes ou sem os resistentes. Antes haviam outras barreiras que já foram derrubadas, como conseguir autorização para trazer os equipamentos para o Brasil. Antes da abertura de mercado era difícil trazer um equipamento de alta performance, por exemplo.
Última Instância - A legislação brasileira consegue acompanhar as evoluções do direito eletrônico?
Lúcia Tucci - Eu entendo que o nosso ordenamento jurídico está apto a proteger as pessoas dos abusos que o direito eletrônico vem fazendo em qualquer dos seus ramos. Se não fosse assim, não seríamos um dos primeiros países a dar sentenças em primeira, segunda e até terceira instância a respeito das relações oriundas do direito eletrônico - como abuso do uso da Internet, cyberbullying, ou dos problemas que acontecem com os cartões de crédito, que também são fruto de relações eletrônicas.
Hoje, o Judiciário brasileiro é exemplo para outros países com essas decisões, por isso entendo que o nosso ordenamento está preparado para lidar com o direito eletrônico. Isto não quer dizer que eu discorde de que nós podemos melhorar e que pode haver uma inovação, que é o que falam sobre o Marco Civil. Essa inovação não termina no Marco Civil e acredito que ele não seja autossuficiente para regular o que precisa ser mudado.
Última Instância - Como está hoje a digitalização dos processos e o direito eletrônico no Brasil?
Lúcia Tucci - Perto do que tínhamos em 1992, posso dizer que está muito bem. Alguns tribunais já têm tudo digitalizado. Se começarmos de cima para baixo, vamos encontrar vários tribunais com um nível de digitalização altíssimo. Quando você entra nos Estados, sai da Federação e vai individualizar por comarca, temos alguns Estados bastante atrasados. São Paulo, por exemplo, é um dos Estados que menos acompanhou a evolução do direito eletrônico.
O direito eletrônico é o caminho para o Brasil ser, inclusive, um dos exemplos para o Judiciário do mundo. Para tirar essa tarja de impunidade, de letargia. E os tribunais superiores vêm investindo muito forte nisso, com um orçamento bastante significativo.
Última Instância – Como é feito o trabalho para difundir o conhecimento sobre direito digital?
Lúcia Tucci - Disseminar conhecimento na área de direito eletrônico é educar a próxima geração, ou a geração atual, tanto para a parte de segurança nas operações, quanto para como lidar com isso. Eu encaro como uma atividade de utilidade pública para a sociedade em geral. Fui convidada para ser membro da Comissão dos Crimes de Alta Tecnologia da OAB e, além disso, há eventos que fazemos sobre direito eletrônico. Tanto no escritório, quanto na OAB, assumi o compromisso de realizar eventos de disseminação de conhecimento e cultura o ano inteiro.
Última Instância - Como se dá sua atuação como advogada lidando diretamente com o direito eletrônico?
Lúcia Tucci – Não encaro o direito eletrônico não é uma área do direito, mas a essência do direito. O conceito de gestão jurídica estratégica, criado no escritório, se norteia por quatro perguntas, feitas sempre, para qualquer atividade na empresa: onde eu estou, quem eu sou, para onde eu vou, por que eu estou indo. Há, nesta área de gestão jurídica estratégica nas relações com o governo, a parte de licitações e a parte de direito imobiliário. As duas estão intimamente ligadas ao direito eletrônico. Quem não estiver atualizado com o direito eletrônico como operador do direito está se auto-excluindo paulatinamente das relações.
Última Instância – E quando a senhora começou a trabalhar com o direito eletrônico, se interessar pelo assunto?
Lúcia Tucci – O escritório trabalha com o conceito de gestão jurídica estratégica, com ênfase na área de licitações de alta tecnologia. Por meio do trabalho com as licitações, somos pioneiros na área de direito digital e eletrônico. Isso porque, antes de se falar em direito eletrônico ou digital, precisávamos ter alguma coisa eletrônica e, para isso, começamos a funcionar com as aquisições. Ninguém falava de administração de software, de hardware, de sistema, de aplicativo. Isso começou com a abertura do Mercado, a abertura política, porque até 1993 mais ou menos, não tínhamos a abertura de mercado.
Eu tive a feliz oportunidade de poder começar a trabalhar com isso antes da abertura de mercado. Por isso nós falamos que somos pioneiros. As primeiras organizações de hardware e software da parte de direito eletrônico começaram nessa época, e o jargão “direito eletrônico” veio dos últimos anos para cá.
Fonte: ÚltimaInstância/UOL