A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a nulidade de algumas provas obtidas por escutas telefônicas ilegais não tem a capacidade de invalidar todo o processo judicial ou mesmo o restante do conjunto de provas, que se mantém preservado.
O entendimento foi dado no julgamento de habeas corpus impetrado em favor de réu acusado de estelionato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Segundo a acusação, a quadrilha teria praticado golpes contra empresários do município de Taquara (RS) e também de outras localidades do país.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou o acusado e outras 27 pessoas com base nas investigações da Operação Paranhana. Diversas interceptações telefônicas foram deferidas pelo juízo de primeira instância durante a investigação, com prazos superiores ao previsto na Lei 9.296/96, o que levou a defesa a entrar com o habeas corpus.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que, em razão da gravidade e da complexidade dos fatos e do significativo número de agentes, “não existia outra medida menos interventiva no direito à intimidade do paciente do que a levada a efeito pelas autoridades, com o intuito de serem descobertos os crimes”.
Restrição de direito
O TJRS reconheceu que as escutas telefônicas foram realizadas em desacordo com a regra legal, que estabelece prazo máximo de 15 dias, renovável por igual período e desde que demonstrado que esse tipo de prova é indispensável.
No entanto, considerou que a restrição ao direito fundamental do paciente – de não ter violada a sua intimidade e de não ter contra si prova produzida de forma ilícita – não configura ilicitude absoluta a ponto de contaminar toda a investigação, “que acabou por descobrir uma cadeia de crimes milionária em todo o país”.
O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do habeas corpus, afirmou que o caso envolve autorizações e prorrogações pelo dobro ou triplo do tempo previsto em lei, e até de forma automática. Entretanto, para ele, o cerne da questão não é esse.
“Posso até admitir que, diante das especificidades do caso, ocorra a autorização de quebra (ou prorrogação), desde o começo, por prazo superior a 15 dias, mas tal fato somente pode ocorrer se houver detalhada, minuciosa justificativa”, disse o ministro.
Ele citou a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, no julgamento do HC 99.619: “A interceptação telefônica é meio de investigação invasivo que deve ser utilizado com cautela. Entretanto, pode ser necessária e justificada, circunstancialmente, a utilização prolongada de métodos de investigação invasivos, especialmente se a atividade criminal for igualmente duradoura, casos de crimes habituais, permanentes ou continuados, cuja prática se prolonga no tempo e no espaço, muitas vezes desenvolvidos de forma empresarial ou profissional.”
Motivação expressa
Todavia, Sebastião Reis Júnior considerou que, no caso julgado, não houve nenhuma motivação “idônea” que autorizasse a excepcionalidade. “A prorrogação por prazo maior que aquele fixado em lei depende de situações próprias do processo em exame, que devem constar expressamente da decisão judicial que a autoriza”, afirmou.
O ministro ressaltou que não encontrou essa motivação expressa nos autos, “seja nas decisões que autorizaram a quebra ou prorrogação por 30 dias, seja naquelas que autorizaram a quebra por 45 dias, com ou sem prorrogação automática”.
Mencionou também que o magistrado não pode autorizar antecipadamente que sejam prolongadas as diligências, “sem nem sequer tomar conhecimento do que foi apurado no tempo em que ocorreram as interceptações”, já que as prorrogações da quebra de sigilo exigem justificada motivação, com específica indicação da necessidade de prosseguimento da escuta.
Perda do caráter jurisdicional
Sebastião Reis Júnior explicou que, sem motivação, “a decisão judicial perde até o caráter jurisdicional”. O ministro citou a pacífica jurisprudência do STJ e do STF que não admite, no processo penal, a utilização de provas obtidas por meios ilícitos para embasar eventual condenação.
Para ele, após o reconhecimento da ilicitude da prova, “a única solução possível é a sua total desconsideração pelo juízo e o desentranhamento do processo”. Contudo, tal fato “não representa a nulidade das provas anteriores e das seguintes que não derivaram das quebras que efetivamente duraram prazo superior a 15 dias e das prorrogações automáticas”, ponderou.
Por isso, a Turma declarou a ilicitude das provas produzidas por escutas autorizadas ou prorrogadas por prazo superior a 15 dias e determinou que o juízo de primeira instância examine as consequências da nulidade nas demais provas dos autos, para apurar a existência de algum vício por derivação.
Relações Públicas da Polícia Civil